O Tenente Coronel
Joaquim da Motta Paes, Delegado de Polícia da cidade de Paraíso,
aos seus amigos e ao público.
Ai dos
maos porque os olhos da Providência lhes vêem nús os corações em
toda a hediondez de sua perversidade!
A mesma precisão que o viajor tem de limpar-se da lama das estradas,
que o enxovalhão, tem o homem de bem de defender-se das calumnias e
cituperios com que os tratantes o maculão. O profundo respeito que tributo à sociedade e os deveres do meu
cargo de Delegado de Policia, obrigão-me à descer, descer e descer
muito da posição em que estou collocado, para vir até um tal de
Eufrásio de Toledo, que me consta existir na cidade do Paraíso e
que n'um papelucho que o mesmo publica com o título de - jornal –
procurou causticar-me a paciencia injuriando-me torpemente. Ninguém pode livrar-se, desde que anda no mundo, que uma serpente
lhe atire traiçoeiros botes e nem que um cão damnado, ao passar, na
furia da hydrophobia, o enxovalhe com a sua baba nausebunda. E' isso
uma das tristes contingências da espécie humana. A' muitas outras desgraças está sujeito o homem n'este valle de
lagrimas, porém a maior d'ellas e a mais terrível de todas, é ter
perdido o brio e o pudor que lhe fasem avermelhar as faces, quando
lhe lanção em rosto as suas miserias. Há entes q'chegão a este terrivel estado e, para elles, só o
vergalho, manejado por um braço possante pode ser corretivo. O tal Eufrasio de Toledo não merecia que eu respondesse ás injurias
que me atirou, porém o publico merece-me tudo e é a elle que me
dirijo. Por instancia dos meus amigos politicos e até de alguns
conservadores, com os quaes folgo de entreter cordeaes relações
d'amisade, aceitei o cargo de Delegado de Polícia da cidade de
Paraíso. Nunca fui político exaltado e nem especulador e por isso,
só por condescendência e por entender que todo o cidadão tem
obrigação de servir ao seu paiz, estou servindo como Delegado de
Policia. Infelizmente porém, uma das vezes que estive com a vara, tive de
lançar mão de alguns meios que a lei faculta, para conter os
desordeiros, que por sua perversão incommodão ao publico e à paz
das famílias, chamando para assignar termo de bem viver á alguns
d'elles.
Inocorri nas iras do tal sr. Eufrasio porque, todos os meus amigos do
Paraiso, m'o indicarão como o primeiro que deveria assignar termo,
visto que era o principal motôr da alteração da ordem publica. Indaguei quem era esse tal Eufrasio e de onde tinha vindo;
disserão-me que era um indivíduo vindo dos lados de S. Paulo e que
aqui se arvorara em redactor de um jornal que só se occupava em
fomentar aqui e na visinha cidade de S. Bento; que o mesmo tinha vida
pouco regular; que era muito dado ao vicio de jogos prohibidos; e que
procurava insurgir o povo contra as autoridade constituídas. Tive ainda certeza que as pessoas gradas de ambos os partidos não
formavam bom conceito de tal Eufrasio. Em vista disso, mandei
intimal-o para ver-se processar, afim de assignar um termo em que
obrigasse a não andar fomentando intrigas contra as autoridades,
apesar de ser o mesmo vereador e curador, cargos estes que não dão
virtudes a quem não as tem. Alguns conservadores entenderão que deverão aproveitar-se d'isto
para se queixarem d'esta delegacia ao Exmo. Sr. Conselheiro
Presidente da Província. O Exmo. Sr. Dr. Chefe de Polícia mandou-mo essa queixa para que
respondesse. Fil-o como entendi dever faser, fallando a S. Exa. Com a franqueza
que me caracaterisa, fazendo ver quem era o tal sr. Eufrasio que é
ou era aqui vereador.
Zangou-se comigo o homem e eil-o à injuriar-me no tal jornalsinho
que só agora soube existir n'aquella cidade. E' o que faço agora. Disse elle que tendo eu nascido entre as enxadas, era incapaz de
escrever e pronunciar duas palavras em publico e que tinha assignado
aquelle oficio de olhos fechados. Apesar de ter nascido entre as enxadas, tive o cultivo necessario
para comprehender perfeitamente o que leio e saber o que devo
assignar. O publico que me conhece sabe d'isso perfeitamente. Tenho subida honra em ser lavrador e viver do fructo das enxadas e
creio que é mais honroso isso do que viver, como alguém vive de
alicantinas e patotas no lanisquet e de adular os chefes polítcos
para lamber-lhes os pratos. Se não tenho habilitações para falar em público, sei faser-me
comprehender e asseguro ao sr. Eufrasio que minhas palavras, ainda
que toscas e rudes, tem mais algum valor do que as de alguns
valdevinos que, não tehndo onde cair mortos, embora fallem muito em
publico, ninguém lhes presta attenção. Se escrevo mal, tenho convicção de que aquillo que escrevo é a
expressão da verdade e creio também que a minha firma, mal traçada,
tem mais alguma aceitação do que alguma de letra bem talhada, porém
bem pouco respeitada. Diz mais o sr. Eufrasio que a distância que nos separa
impossibilita-nos de entrarmos em discussão. E' a verdade isso e creio que a única que disse o sr. Eufrasio. E'
tal a distância que nos separa mesmo, que eu não o enchergo: não
sei se é devido isso a essa distância, se à sua pequenhez, ou se à
poeira em que anda sempre envolvido. Diz mais o sr. Eufrasio que veio à imprensa só para se justificar. Justificar-se?!! O sr. Eufrasio meteu-se em uma empreitada dificilima! No entanto, eu
me proponho a ajudál-o. Prove a toda evidência que como jogador de lansquinet nunca foi
patoteiro; prove que não frequenta sociedade infensas à honra e a
honestidade; que vive de seu honesto trabalho e etc, etc... que os
seus desafectos callar-se-irão. Eu creio que o sr. Eufrasio provará tudo isso facilmente? Ah! Então já o sr. Eufrasio entende que o sr. Ten. Cor. Francisco
Gomes Vieira e Silva é um distincto conservador?!! Mar parece-me que não era essa a sua opinião aqui há trêz mezes,
quando esse honrado cavalheiro não lhe quiz emprestar aquelles cem
mil rs... de que o sr. Eufrasio tanto precisava? Creio que nesses dias o sr. Ten. Cor. foi mimoseado pelo Sr.
Eufrasio com epitetos bem afrontosos! Mas... as coisas mudão-se... Diz o sr. Eufrasio que o seu papel não é o de estatua politica do
seu partido. Não duvido, e nem serei eu quem o diga que o é; mas
estou no direito de dizer que o papel de espoleta político é mil
vezes pior que o de estátua. Disse também que o meu oficio ao Exmo. Dr. Chefe de Policia era
immundo e, como talvez não saiba bem a significação da palavra –
immundo – há de me permitir que lho diga, exemplificando-a. Immundo é o ente que, não querendo viver entre as enxadas, para com
o suor do seu rosto obter a subsistência de sua família, vai
procurál-o nas alicantinas dos jogos illicitos, fasendo patotas,
ligeiresas e trapaças. Immundo é o homem que vive à custa de outrem, como a parasita
agarrada à frondosa árvore, sugando-lhe a seiva. Immundo é o bajulador que hoje endeosa àquelle mesmo a quem hontem
vituperou, porque não lhe quiz emprestar dinheiro. Immundo é o político que finge-se arrufado com o chefe; quer fazer
dissidencia, e, não podendo conseguir seus fins, agarra-se com os
compadres ricos para que de novo o addmitão no partido. Immundo, enfim, é àquelle que já perdeu o brio, a vergonha e a
dignidade de homem.Sabe agora o que é ser immundo? Passemos adiante. Que a typographia é sua não duvido, mas contesto que fosse
comprada com dinheiro seu, porque há bem poucos dias, uma das duas
victimas dos cobre disse quem o tinha dado. Lembre-se que o Theophillo Ottoni tem na sua frente –
propriedade de uma associação – Não faz mysterio d'isso. Filhos bastardos?!! Eu não disse em meu oficio que o sr. Eufrasio era filho bastardo;
nem sei se o é; eu antes quero tel-os do que sel-o. Gosta dos griphos? ! Decifre estes. Diz ainda que é natural de Pindamonhangaba, etc, etc... Que o sr. Eufrasio era natural eu sabia muito bem, agora se é de
Pindamonhangaba, eu ignorava... Cuspir na face?!
Ora sr. Eufrasio, quem é o sr. para cuspir na face de alguém? Pobre percevejo que não se esmaga porque pode feder e causar asco! Reptil asqueroso que enxovalha o imprudente que d'elle se aproxima! Execração humana que causa nojo! Coisa inqualificável que parece gente! Foge de minha presença porque me causa náuseas. Nada tenho a responder ao artigo assignado por A. V. Carneiro filho
de um homem a quem respeito e tenho amizade, não sei se está
autorizado por seu pai a travar polemicas pela imprensa: só o que
lhe asseguro é que nenhum Fuão teve a mínima parte na minha
publicação e que portanto s.s. errou o bote que imprudentemente
atirou à pessoa que jamais o ofendeu. Se o sr. A. V. Carneiro julga-se ofendido por eu dizer que s. s. é
muito jovem, comigo se deve haver não com qualquer dos Fuãos
que não se temem de discussão alguma, em qualquer terreno, sobre o
passado, presente ou futuro com s. s. porque elles têm consciência
dos seus actos. Tendo dito quanto me cumpria, protesto não voltar à imprensa sobre
este assumpto.
Conceição dos Ouros, 03 de agosto de 1878.
Joaquim da Motta Paes
Eufrasio de Toledo = Alferes José Eufrásio de Toledo. Este é citado em 24/03/1895 como Major José Eufrásio de Toledo,redactor do jornal Tribuna Mineira.